Na imensidão do mar, é impossível fugir de si mesmo: o que o surfe de peito me ensinou em um ano
Atualizado: 23 de mar.
Antes de mais nada, uma informação importante:
escrevo há mais tempo que surfo de peito.
Estas palavras são de alguém dando suas primeiras braçadas.
Dito isso, vamos à história.
O surfe de peito surgiu na minha vida por acaso. Um storie no Instagram com uma handplane — aka prancha de mão — com ilustrações de um amigo de Florianópolis. Aquelas coincidências que, anos depois, parecem transcendentais.
— Quem é que usa essas coisas? Pensei.
Um @ugabugasurf marcado na foto. Logo eu estava assistindo a pessoas dropando altas ondas, sem prancha, literalmente no peito. Meus anos surfando de bodyboard sugeriam uma certa familiaridade com aquela prática recém descoberta. Meses depois, dirigia num sábado de manhã até a Praia do Matadeiro, em Floripa, para meu primeiro treino de surfe de peito com a Uga-Buga.
Não vou mentir para você. Aguentei meia hora na água. O pulmão apertou, a perna doeu, o coração acelerou. Onde já se viu, jogar-se ao mar munido apenas de pés de pato? A inexperiência, misturada à ansiedade, aos poucos revelava o primeiro aspecto fundamental desse esporte que pratico até hoje.
O surfe de peito propõe uma conexão radical com o momento presente.
Na imensidão do mar, é impossível fugir de si mesmo. Tudo que você escondeu atrás de uma tela, de uma tarefa do trabalho, de qualquer distração efêmera… o mar traz à superfície. E faz isso com a sutileza e a sabedoria de quem nos observa há alguns milhões de anos.

Ailton Krenak — indígena, ativista ambiental e professor — numa de suas falas observou:
— O ser humano às vezes esquece até que está respirando.
Ele dava sua percepção sobre uma sociedade desconectada da natureza da vida. Naquele primeiro treino no Matadeiro, lembrei-me do ar que entrava e saia dos meus pulmões.
Queda após queda, caldo após caldo, o mundo ganhou novas nuances. Passei a observar o vento, que influencia na formação das ondas. Compreendi a dança de forças que produz ondulações em alto mar e gera as condições para o surf nas praias. Nada de novo, tudo sempre esteve ali. Eu é que não percebia.
Assim como respirar.
Junto a mim, um cardume. Outro aspecto fundamental do surfe de peito. Ainda somos poucos, sobretudo quando comparados ao surfe de prancha que domina os picos. Talvez por isso que, ao ver outra pessoa entrando no mar apenas com um par de nadadeiras, o instinto de aproximação é automático.
Além da conexão consigo e com a natureza, o surfe de peito nos conecta às pessoas com quem compartilhamos as ondas. Apoio mútuo, encorajamento e acolhimento quando as coisas saem do prumo. Às vezes um caldo assustador, a frustração por surfar mal ou o frio na barriga diante de um mar grande. Quando olho para o lado e vejo meu cardume, sinto-me mais forte para passar por tudo isso.
E acho que todos se sentem assim.

Natureza, presença, conexão. Ao surfe de peito — e às pessoas que fazem parte dele — só posso agradecer. E que venham ainda muitos mares pela frente.
Aloha.
Vítor | @vitormkr