Aprendendo a dançar com as ondas
Nascer no interior do Rio Grande do Sul, a 6h da praia mais próxima, cria uma relação diferente com o mar. Colocar os pés na água salgada era um privilégio que eu tinha uma vez por ano, no verão. Quando aquela semana tão esperada chegava, corria direto pra água e brincava o dia inteirinho. Como uma boa irmã mais nova, sempre imitava meu irmão. Minha parte favorita era seguir ele até o “fundo”, que hoje conheço como outside. Lá eu nadava e observava os surfistas, mesmo pequena, eu encarava o mar e sempre me diverti fazendo.
O medo nunca foi muito a minha.
Quando me formei na escola, decidi fazer faculdade perto do mar e eventualmente comecei a surfar de prancha. Fiz algumas aulas e, com muito esforço, dedicação e disciplina, a evolução apareceu. Em alguns meses, já me sentia confortável no mar, dessa vez com uma pranchinha. Sinto que as escolas de surf ensinam muito sobre ficar de pé numa prancha, mas pouco sobre o mar. Há inúmeras técnicas para ensinar o drop ou como se manter em pé e buscar a parede. Muito sobre o que você deve fazer no mar e pouco sobre o que o mar pode fazer por você.
Ao conhecer a Uga-Buga e o surfe de peito, comecei a ter um entendimento melhor dessa imensa diversão que é o mar. Aprendi muito sobre os canais, por exemplo. Toda onda, por meio de energia, traz uma grande quantidade de água e essa, tem que voltar, formando correntes de retorno. Nas praias que têm fundo de areia, esses canais de água mexem e alteram a bancada de areia o tempo todo. Por isso, o lugar da corrente e o lugar onde quebram as ondas mudam a cada instante. Em praias mais “fechadas”, menos extensas, normalmente a corrente se mantém nos cantos, perto dos costões.
Ah, e os canais podem atrapalhar o surf. E muito! Mas também podem ser usados a nosso favor. Ao entrar no mar, o canal é quase um tobogã, que leva você até o fundo com muita facilidade. Sabendo identificar os canais, seu surf pode ficar muito mais fácil.

Além desse conhecimento, o surf de peito abre caminho para uma total imersão no mar, é uma relação muito mais íntima com as ondas. Você aprende a sentir a força e o movimento das águas, pois fica imerso até o pescoço. E fica fácil perceber o movimento que vai e vem. É como dançar: precisa entrar no ritmo e então o mar vai te guiar. Conectado à onda, você se torna parte dela. Para que vocês se movam juntos, é preciso fluidez, tato e percepção. Tudo tem seu tempo, e é a onda que dita quando e o que pode ser feito. Nada pode ser forçado.
Enquanto surfo, sinto a pressão da onda me impulsionando para frente, essa mesma que faz meu abdômen contrair. Ela pede que eu coloque uma mão à frente, às vezes duas ou até nenhuma. A onda tem uma energia circular que permite fazer giros, deixar o corpo cair ou fluir na direção de rotação dela. Um momento para se divertir e juntar-se ao mar.
Brincar é uma maneira de fazer amigos, e surfar de peito não é diferente. Hoje me vejo fazendo parte de um cardume, morando perto da praia e todo fim de semana eu sinto que tiro férias para brincar no mar.

Bianca | @bikbeck