4 lições que aprendi com o bodysurf
1. Deixar o corpo deslizar.
Poucas sensações se equiparam a pegar uma onda apenas com o corpo. O contato direto com a água, a força da ondulação empurrando você, o tubo se formando acima da sua cabeça… Geralmente é nisso que penso ao ver uma boa onda na minha direção.

Faz sentido, certo? Intenção, foco e ação. No entanto, com o tempo de prática (e uma dica valiosa do Maurício Afonso), percebi que querer que meu corpo deslize atrapalha justamente esse processo.
Por quê?
O mar é um ambiente profundamente dinâmico. A água é movida por ondulações oceânicas, canais se formam, ondas crescem nas bancadas. Nadar contra essas forças da natureza costuma resultar em cansaço e ansiedade. É isso que acontece quando meu foco é apenas em “fazer” com que meu corpo deslize na onda. Olhando apenas para mim mesmo, esqueço de sentir o fluxo da água. Para onde ele quer me levar? Acabo enfrentando o mar ao invés de fluir com ele.
Deixar o corpo deslizar é aproveitar os movimentos que o próprio ambiente oferece. Não querer forçar uma situação ou resultado. Mais qualidade de presença do que de resposta.
2. Aceitar as ondas que vierem.
Você olha a previsão ou recebe aquele boletim. Condições favoráveis: tem onda! Com as melhores expectativas, você segue em direção à praia. Na chegada, um vento que não fazia parte do script. Formação ruim. Dentro da água, tudo parece estranho. Cadê aquele mar que imaginei?

Nesse momento, dois universos são possíveis. No primeiro, sua frustração cresce mais e mais — tal e qual a ira de Gabriel Medina com os juízes do WSL. No segundo, você entende que o mar ideal existia apenas na sua cabeça.
Muitas vezes circulamos pelos dois, num vai e vem. Mas uma coisa tem se mostrado cada vez mais clara para mim, no bodysurf e fora dele: cultivar um olhar aberto e presente é mais interessante que gastar energia querendo que tudo fosse diferente.
Aceitar a realidade e não brigar com ela. Be water, my friend.
3. Relaxar no caos.
No bodysurf, você passará boa parte do tempo envolvido com duas coisas:
1. Dropar ondas gostosinhas.
2. Tomar caldos. Muitos caldos.
O caos, você deve imaginar, acontece no item 2. Ainda que o bodysurf seja reconhecidamente um esporte de malucos — que gostam de ondas como The Wedge e Itaipuaçu — tomar um caldo não costuma ser muito prazeroso. É o momento mais perigoso e tenso do surfe. Essa tensão, inclusive, se traduz no corpo: nossa tendência natural é enrijecer os músculos quando a queda é inevitável.

Esse tensionamento demanda bastante energia e oxigênio do corpo. Fazemos força para “travar”. Agora… sabe do que você precisa para aguentar aqueles segundos caóticos embaixo da água? Isso mesmo: energia e oxigênio.
Ao manter seu corpo relaxado, essa reserva fica maior. Mais tempo sem precisar respirar, mais calma para voltar à superfície. Caldo após caldo descobri que, em meio ao caos, a melhor saída é… relaxar. A treta lá fora não precisa sufocar aqui dentro.
4. Brincar.
Praticar um novo esporte envolve alguns desconfortos iniciais. Quando comecei em 2021, nos treinos da Uga-Buga, a frustração era recorrente. Sentia-me um pouco bobo enquanto outras pessoas pegavam altas ondas. Elas sorrindo na maior parte do tempo, eu com a cara mais fechada. Queria aprender logo aquele negócio, afinal.

Qual a graça de não saber fazer algo?
Esse é um pensamento assustadoramente comum em mentes adultas.
Treino após treino, me aproximei de alguém que mudaria essa percepção. Alguém com nome de artista, inclusive: Bryan James. Ele era uma daquelas pessoas que sorriam.

O que ele fazia diferente de mim? Essa pergunta permanecia.
— Ele surfa melhor do que você, é óbvio — Disse a voz da minha mente.
— Sim, eu sei. Mas acho que não é isso… — Respondi.
— É claro que é. Ou você acha que estou brincando? — Ela insistiu.
— É isso, ele está brincando. Essa é a diferença!
Obviamente essa conversa interna não aconteceu assim. Mas ficou bonito e bem ilustrativo, então vou manter. A verdade é que, brincando com o Bryan e o resto do cardume, descobri que o bodysurf — por mais técnico que pareça — é uma brincadeira. Assim que essa chave virou, passei a sorrir mais. Surfar se tornou uma diversão nos meus dias. Os desafios pareceram menos assustadores.
Isso não significa deixar de levar o bodysurf a sério. O segredo talvez esteja na capacidade de manter, como plano de fundo, a lembrança de que estou ali para brincar. Com as amizades, com a natureza, com as minhas próprias ideias e certezas.
Considerações finais
Nesse pique de trabalho acadêmico, quero lembrar: cada experiência é única. Essa foi a minha, apenas.
Encontre um bom pé de pato. Convide alguém com alguma experiência em surfe de peito. Brinque. Quando você menos esperar, os ensinamentos vão surgir. Quais serão os seus?

Vítor Kretschmer | @vitormkr